O surgimento desse modelo, que se tornou um emblemático jato comercial – ou, na linguagem mais popular, um “Fusca” da aviação – não foi tão fácil assim. Nos anos 1950, a Boeing estava relutante em desenvolver projetos de aeronaves comerciais, já que havia lucrado bastante com sua linha de produção voltada para o aparelhamento das forças armadas norte-americanas durante a Segunda Guerra Mundial e, ainda no final da década de 1940, havia fechado ótimos contratos para desenvolver grandes bombardeiros para a Força Aérea dos Estados Unidos (USAF): o B-47 Stratojet e o B-52 Stratofortress. Enquanto isso, o segmento comercial não ia nada bem. O fabricante teve prejuízo da ordem de US$ 15 milhões para colocar em serviço o avião Boeing 377 Stratocruiser. A quantia parece irrisória hoje, mas, para o final dos anos 1940, representava algo astronômico.
As perdas consecutivas seriam revertidas apenas na segunda metade da década de 1950, quando a Boeing decidiu apostar na criação de uma versão comercial do jato KC-135 Stratotanker, desenvolvido a pedido da USAF para o serviço de reabastecimento aéreo. Nascia o Boeing 707, aeronave de sucesso indiscutível que ainda tem remanescentes de produção voando ao redor do mundo, inclusive no Brasil, nas asas da Força Aérea Brasileira (FAB). Uma versão menor, o Boeing 720, foi lançada a pedido de alguns clientes, mas não tardou muito para que o mercado pedisse uma aeronave para até 150 assentos que fosse economicamente viável para rotas de distâncias curtas e médias, atendendo ao mercado doméstico. Surgiu o Boeing 727 que, na versão 100, realizou o primeiro voo em fevereiro de 1963. O trijato de cauda em “T” logo caiu no gosto dos passageiros e dos pilotos, que tinham nas mãos uma aeronave versátil e rápida, que voava a Mach 0.85 (85% da velocidade do som) em regime econômico.
A queda nos custos das passagens aéreas no tempo de voo e o aumento dos níveis de segurança de voo no final da década de 1950 e início dos anos 1960 ajudaram a conquistar de vez a confiabilidade de clientes que antes viajavam com mais frequência em trens e ônibus. Assim, não tardou para surgir demanda por aeronaves a jato ainda menores, que pudessem atender mercados mais restritos, onde a média de embarque de passageiros estivesse na faixa entre 50 e 100 assentos. Em 1965, a fábrica norte-americana Douglas lançou o birreator DC-9. Dois anos antes, o Reino Unido já havia realizado o primeiro voo do BAC One-Eleven, 14 anos depois do de Haviland Comet. Por sua vez, em maio de 1955, a França havia colocado em voo seu bem-sucedido Sud Aviation SE 210 Caravelle. O último fabricante a entrar na disputa, pelo menos do lado europeu, foi a Fokker, da Holanda, que trouxe ao mercado o jato F-28, lançado oficialmente em maio de 1967.
A Boeing estava muito confortável com seu Boeing 727, apesar de saber que ainda existia espaço para uma aeronave da família ainda menor. Mas, para os executivos da companhia, o desenvolvimento de um novo projeto só poderia sair do papel se houvesse uma garantia de que as vendas não só atingissem o ponto de equilíbrio em curto espaço de tempo como também se revertessem em lucro. Por isso, somente em maio de 1964 a Boeing decidiu dar o sinal verde para o projeto de um novo avião para o mercado doméstico. Dois motores na cauda, como os encontrados nos seus principais concorrentes, trariam como vantagem uma asa mais limpa e facilidade na pilotagem em caso de voo monomotor. Os engenheiros, no entanto, decidiram inovar, colocando o grupo propulsor sob as asas, aumentando a área do estabilizador vertical de modo a garantir melhor controle direcional em caso da falha de um dos motores. Mesmo com a alteração no perfil, o avião ficaria 700 quilos mais leve do que os outros da mesma categoria, o que era uma ótima notícia. Porém, apesar do projeto promissor, a Boeing não conseguia atrair a atenção de seus clientes, como a norte-americana Eastern Airlines, que operava o Boeing 727, mas havia optado por ampliar sua frota com aeronaves do modelo DC-9. Já a United Airlines, também cliente do Boeing 727, vinha utilizando o Caravelle, enquanto a American Airlines havia escolhido o BAC One-Eleven. Seria uma batalha difícil de vencer.
A boa notícia para a Boeing só veio em 1965, e do outro lado do Atlântico. A alemã Lufthansa decidiu apostar no produto norte-americano e anunciou uma encomenda da ordem de US$ 67 milhões para 21 jatos Boeing 737, cujo programa fora oficialmente lançado no dia 15 de fevereiro de 1965. Não era um pedido significativo, mas certamente deu “gás” para que a Boeing levasse o projeto adiante. Mal sabiam os executivos que eles estavam certos em apostar naquele novo avião, e que outras séries de sucesso seriam criadas a partir do modelo original, dando ao jato a posição de campeão mundial de vendas na história da aviação civil. A única alteração no projeto original solicitada pela Lufthansa estava relacionada à capacidade do birreator. Ele seria um pouco mais comprido do que o previsto e, em vez de transportar 60 passageiros, poderia decolar com até 100 ocupantes.
